Skate no Brasil:

UMA HISTÓRIA DO SKATE NO BRASIL:
DO LAZER À ESPORTIVIZAÇÃO

Tony Honorato PPGE/UNIMEP/CNPq
 
A prática do Skate no Brasil pode ter iniciado em meados da década de 1960, “com uma galera que estava começando a surfar por aqui, influenciada pelos anúncios na revista surfer. Na época seu nome era ‘surfinho’, e era feito de patins, pregado numa madeira qualquer e com as rodas de borracha ou de ferro”. A data e o local de sua origem é uma polêmica, pois há rumores de seu surgimento em 1964 na Urca (Rio de Janeiro), mas como nada foi documentado torna-se difícil apontar precisamente. Para ilustrar um pouco mais esta problemática, Marcos ‘ET’ identificou um senhor de 47 anos de idade, músico, que narrou seu envolvimento com o Skate no ano de 1966 com seu amigo Severino, num cenário diferente da história contada.
Skater: Sérgio Yuppie
Já na memória do skatista Cesinha Chaves (2000) que vem trabalhando com
Skate desde de 1977, lembra das suas duas paixões de 1968: a prancha de surfe uma São Conrado de 9’8”, e a de skate – uma Nash Sidewalk Sulfboards de 24”, com rodas de massa (Clay Weels) e madeira laminada, era um skate adquirido com um dos meninos filho de Embaixador do Consulado Americano que ficava andando com um ‘carrinho’ pra lá e pra cá numa quadra na Fortaleza São João, na Urca/RJ.

Explicitamos a existência de algumas versões, provavelmente se investigarmos outras fontes encontraremos novas abordagens. No meio desta história emblemática o que se pode dizer sobre o surgimento de tal modalidade, é que tanto ela como outras atividades ditas ‘radicais’ estão associadas a um processo de transformação dos comportamentos das sociedades ocidentais, o qual Norbert Elias chama tecnicamente de ‘processo civilizador’.

Esse processo é de longo prazo e envolve alterações nas relações sociais, bem como no modo de vida das sociedades. Essas mudanças desenvolvem-se na direção de um maior controle e autocontrole, por isso mesmo criam-se e recriam-se novas práticas sociais, como a atividade Skate que está associada ao lúdico, ao prazer, ao devaneio, ao risco e a aventura, para tentar preencher alguns espaços vazios e proporcionar intensas emoções prazerosas num determinado período histórico.

É possível evidenciar nos materiais coletados e analisados a presença de alguns atores sociais atuantes no cenário do Skate neste início, como podemos citar, em 1974 com seus Cadillac Kid (modelo símbolo da época) descendo as ladeiras da Maria Angélica e Cedro, no Rio de Janeiro, os irmãos Marcelo e Luizito Neiva, Marcelo ‘Bruxa’, Alexandre ‘Gordo’ e Erivaldo de Souza ‘Maninho’. Enquanto em Sumaré, em São Paulo, alguns skatistas, ávidos pelas emoções proporcionadas pela velocidade, como ‘Maçarico’, Tchap-Tchura e Kao Tai.

A revista Tribo Skate 5 demonstra-nos um registro possivelmente considerável como fase seminal do processo de esportivização da modalidade no Brasil. Refere-se a ocorrência do primeiro grande campeonato de Skate, realizado em outubro de 1975 na Quinta da Boa Vista (Rio de Janeiro). A competição ocorreu na rua e suas manobras de destaque eram: a clássica cavada no asfalto (a performance era agachar o máximo fazendo estilo), ‘bananeira’ sobre o skate (handstand), rolamento de proa sobre dois skates (nose-wheelis), piruetas, salto em altura (high jump), salto em distância (barrel jump) e footwork.

Ainda, identificamos através das fotografias do campeonato, algumas características dos espectadores e dos competidores: cabelos compridos, vestimenta representada por shortes curto e não muito largo, camisetas com cores fortes e contrastantes, joelheiras de voleibol e/ou de goleiro de futebol, e o tênis não era ‘lei’, diga-se isto porque muitos participantes estavam descalços (alguns skates não possuíam lixas) e quando usavam tênis as marcas mais utilizadas eram as tradicionais (Conga, Bamba e Rainha).

Mas, além de ser o primeiro campeonato, o que marcou foi o surgimento de duas inovações responsáveis pelo bom aprimoramento das ferramentas básicas do skate: a primeira foi à elaboração do eixo Tracker Trucks, mais largo, possibilitando melhores curvas; e a segunda foi as rodas Road Rider substitutas das bilhas soltas – rolamentos com porcas auto travantes.

Ao organizarem uma competição oficial, na qual também, se propôs classificar os competidores, estabeleceram uma diferenciação entre a natureza da prática skate até então realizada, entre os praticantes se compararmos com os competidores e entre os próprios competidores, neste caso destacamos as manobras (complexas, refinadas, com estilos...) como um elemento diferenciador. O que entra em questão também, é que, enquanto pesquisadores, não devemos entender as diferenciações com olhar reducionista no sentido de idealizar e negar os pontos positivos dos fenômenos sociais.

Para pesquisadores objetos dotados de diferenciações, como estudo da modalidade skate tem apontado, devem ser construídos na sua particularidade e pluralidade, para além de seu caráter ideológico. O exemplo do campeonato demonstra outras dimensões a serem consideradas num objeto de estudo, como por exemplo, propagação da atividade, maior sociabilidade entre os participantes, nova maneira de sentir prazer tanto para os praticantes como para os espectadores e novos comportamentos sociais identificados numa prática em esportivização.

Como a esportivização é um processo, não se encerrou no episódio da Quinta da Boa Vista/RJ. No ano de 1976, num domingo de 15 de agosto, realizaram o primeiro Campeonato de Skate com dimensão nacional, no Clube Federal (Rio de Janeiro) sob organização da Waimea Surf Shop, com o número de 34 inscritos, sendo vencido por Flávio Badenes na categoria Sênior e Mário Raposo na Júnior. As manobras eram 360s, wheelies e handstands. Os skates eram quase todos importados das marcas mais variadas: Bahne, Super Surfer, Cadillac, Hang

Tem... Os skates brasileiros eram o Torlay, feito pela fábrica de patins paulista, o Bandeirante, da fábrica de brinquedos e o RK, que era a cópia do americano Bennett Pro, o primeiro eixo feito especialmente para skate. As rodas possuíam ainda o sistema de bilhas soltas, que repousavam em porcas cônicas, travadas por uma contra porca.

Já em 22 dezembro de 1976 foi inaugurada a primeira pista de skate da América Latina em Nova Iguaçu-RJ, que revolucionou o Skate brasileiro com a construção de dois bowls de aproximadamente 20º de inclinação, ocasionando a mudança do estilo livre praticado nas ruas, ladeiras..., para o estilo ‘bowlriding’. Esta pista em julho de 1977 sediou o primeiro campeonato de pista do Brasil, totalmente diferente dos até então realizados (os de freestyle e slalom). Sua arquitetura sofreu influência da Revista Skateboarder que mostrava americanos em pistas e piscinas de fundo de quintal exercendo manobras como: berts, batidas, um e meio (360º e meio na transição) e com muita velocidade.

A construção da primeira pista de skate da América Latina, os primeiros campeonatos, as instruções de como julgar uma competição, as manobras, a evolução dos equipamentos, a divisão de categorias (sênior e júnior) e o novo estilo (vertical), ilustram ações iniciais da esportivização da modalidade Skate no sentido de constituir e instituir regras e condutas racionais e especializadas. Isso demonstra que para emergência de uma prática esportiva exigi um regulamento previamente acordado e aceito pelos praticantes.
Skater: Renato "Cupim", Trick: Tail Grab
Os códigos de normas socialmente estabelecidos, num determinado tempo e espaço, são o que consideramos por regras esportivas. Essas regras foram construídas e aperfeiçoadas pelos indivíduos para indivíduos e desempenham um significativo papel, pois ao estabelecerem-nas atestam um modelo de comportamento a ser seguido. Isso implica num aumento do controle e do autocontrole nas relações sociais dos skatistas e, que por sua vez tornam sua prática esportiva mais diferenciada para o praticante e, numa outra direção, para outros praticantes.

A esportivização da modalidade Skate aparece como um elemento de diferenciação, produzindo comportamentos extremamente elaborados num sentido mais regulamentado e autocontrolado. Este fato distinguiu as maneiras de viver a esfera lúdica no interior da própria atividade, ou melhor, aqueles que manejam com habilidade o ‘carrinho’ diferenciarão dos demais.

O esporte como ação de diferenciação, ocupa um espaço cada vez maior no processo de interdependência crescente que se estrutura entre os membros da tribo skatista, e, ainda diríamos, entre os indivíduos em sociedade. Contudo, esporte e lazer são, no âmbito deste trabalho, “entendidos como ações que caracterizam diferentes – porém não distintas – esferas de sociabilidade e inter-relações”. Dado que o lazer “não acabou para dar lugar ao esporte, este é entendido como um prática que vem atender às expectativas de uma elite que passa a ter na” esportivização suas ações lúdicas, e, mais tarde com a profissionalização, seu meio de subsistência. Desse modo, compreendemos que a emergência da atividade Skate como lazer e como forma esportivizada diversificando funções, são específicas formações e configurações sociais que no Brasil vão se estruturar a partir da segunda metade do século XX.

Assim, alguns apontamentos na direção do nosso eixo temático seriam:

• na história da modalidade Skate as formas de lazer precedem as atividades esportivas que, uma vez estabelecidas não ausentam elementos advindos do lazer;
• a diferenciação da prática Skate ocorre tanto em relação a outras formas de agrupamentos (escolar, trabalho, outros esportes...) figurando a tribo skatista, quanto no interior do próprio agrupamento. Isso significa o aumento e a diversificação (condutas, educação, autocontrole...) das inter-relações sociais;
• o cenário social no Brasil, a partir da segunda metade do século XX, necessita de mudanças nas práticas lúdicas – surgimento da modalidade Skate geradora de fortes tensões-agradáveis. Essas transformações são esperadas numa sociedade cada vez mais diversificada e regulada no sentido do controle social das emoções e do autocontrole que se reflete nas ações motrizes.

Na continuidade do percurso histórico do Skate, passamos observar a constituição de outras pistas, campeonatos, atores sociais, instituições, produtos esportivos, vendedores de espetáculos, profissionalização, crises e outras ocorrências sociais.

Então, após o surgimento da primeira pista de Skate em 1976 ocorreu a proliferação de novas pistas, bem como a do Clube Regatas Flamengo (RJ-1977), Alphaville (SP-1977), Wave Park (Santo Amaro/SP-1978), Jacarepaguá (RJ-1978), Mooca (SP-1978), Jurêre (SC-1978), Viamão (RS-1979), Campo Grande (RJ-1979)...

Os meios de comunicação e propagação eram o Jornal do Skate, Wave Park, um canal de TV a cabo, Revista Brasil Skate e Revista Esqueite.

A Revista Esqueite foi a primeira revista especializada em Skate no Brasil, seu exemplar nº 01 foi publicado em setembro de 1977, com tiragem de 30.000 exemplares, ela estava sob responsabilidade de Waldemiro Barbosa da Silva, Sergio Moniz e Flávio Badenes, que estabeleceram como objetivo “tratar de assuntos técnicos, de campeonatos, divulgação de points, pistas e locais ideais para a prática do skate”. Nesta primeira edição foram reportadas instruções técnicas e introdutórias de como montar e dar manutenção a um skate; como andar com segurança evitando acidentes e preservando a saúde; apresentaram e definiram 124 manobras próprias do Skate divididas nas modalidades: wheelies, giros, saltos, ‘bananeiras’ e diversas; ensinaram como julgar campeonatos de Skate; anunciaram as pistas já existentes e os locais favoritos como ruas, ladeiras, estacionamentos, praças, monumentos e parques públicos; dissertaram sobre a vida dos principais skatistas do ano; fizeram o resgate histórico dos campeonatos desde 1976; informaram as notícias gerais sobre Skate; e em seu final reservaram espaço para uma reportagem sobre ‘vôo livre’ e para as notícias dos festivais de surfe.

Em 78/79 o número de adeptos, de campeonatos e pistas foi crescendo cada vez mais, e neste processo torna perceptível a explosão do skate pelo território nacional e, também o refinamento dos esquipamentos (shapes mais largos e rodas cônicas), dos meios de comunicação, das pistas, das manobras e das organizações de campeonatos; expressando maior relação de interdependência identificada num conjunto de normas comportamentais que os indivíduos precisam obedecer para normalidade do convívio no interior da tribo skatista.

Em 1980, “todos os que presenciaram o apogeu do skate no final dos anos 70, puderam ver a virada da década e o declínio de uma geração”. A euforia e as iniciativas até então realizadas, tanto no desenvolvimento esportivo, no investimento financeiro como tecnológico, começaram a diminuir e se desgastar como as rodas numa sessions de downhill slides num ótimo declive. Isso gerou um blecaute desativando pistas. Foi quando inúmeros praticantes e parte do mercado foram se apagando e se desdenhando.

Tal ocorrência também resultou da nova sensação nacional – o patins e a bike – que estimularam a gradativa imigração dos fabricantes e comerciantes em busca de lucros imediatos, estagnando novas aplicações econômicas e tecnológicas no Skate, cortejando a sua origem ‘underground’. Isto também pode ser evidenciado quando a Revista Skateboarder’s Action Now passa dividir suas colunas, que até então eram específicas para Skate, com outras práticas de ação como BMX, Snowboarding, Surfe, Artes Marciais e Heavy Metal.

Mas, como os processo sociais são dinâmicos e não planejados, logo não linear como bem a situação acima evidencia, o Skate nas curvas de sua história apresenta sinais de uma retomada após ter vivificado momentos sombrios. Em 1980 após o fechamento das Waves Parks símbolo da evolução do Skate Vertical da década de 70, iniciou-se um período marcado pelo desenvolvimento do estilo livre (freestyle - modalidade praticada sem pista específica) e, neste mesmo ano foi construído o complexo bowl/half/banks/freestyle denominado Wave Cat da cidade de São Bernardo do Campo-SP, suprindo a necessidade dos ‘órfãos-sobreviventes’ de pistas: Marcelo Neiva, Cesinha Chaves, Ricardo ‘Barbeiro’, Rogério ‘Antigo’, Tchap Tchura, Alexandre ‘Minhoca’, ‘Aladim’, ‘Vitchê’, dentre outros, e também dos recém praticantes: Sérgio ‘Negão’, Osmar Fossa, ‘Fraldão’, Fabio ‘Bolata’, Ari Jumonji, Padado, George Rotatori, Edu Britto, Tai Tai, Yura, Lúcio Flávio, Felipe ‘Banana’, ‘Anjinho’, e outros.

Esses nomes foram destaques nos escassos campeonatos organizados, como os de 1981 da inauguração da Wave Cat e do Itaguará Country Club em Guaratinguetá (interior de SP), que realizou em 1982 seu I Campeonato Brasileiro, e neste ano ocorreu também o I Campeonato de Dowhill e Longboard na rua de lazer do bairro Morumbi/SP, organizado por Marcio Tanabe, e aconteceu simultaneamente um Campeonato de Freestyle no pavilhão do Ibirapuera/SP. Nota-se nas modalidades desses campeonatos as primeiras aproximações com a nova modalidade Skate Street, que se firmou nesta década e revolucionou o esporte com seu slides e as manobras de guias.
Skater: Lincoln Ueda
Em 1983 o primeiro tênis de skate do Brasil, o Mad Rats (ratos loucos), é idealizado e fabricado pelos skatistas Marcio Tanabe e Duarte Yura, mas com a prática da modalidade Street em proliferação pelas ruas das cidades – aliás a rua é o forte componente de sua peculiaridade – acoplou-se com outro grande comportamento de rua da época: o punk-rock. “Com isso, o visual e o comportamento muda completamente, dando vez aos tênis quadriculados ou descoloridos e rasgados ou pintados, as trilhas sonoras passam do have-metal para as bandas de punk-rock”.

Essas condutas são marcadas no II Campeonato Brasileiro de Guaratinguetá que se transformou num palco para os punks, new wave e simpatizantes, com seus alfinetes e penteados moicanos, espigados e coloridos, calças rasgadas e braceletes de pontas, esses comportamentos e as imagens produzidas começam a incomodar a sociedade e mais tarde outros skatistas.

Já em 1984 os campeonatos continuaram aumentando de maneira expressiva, e foi o ano do surgimento de uma grande novidade, associando o Skate e a tecnologia do vídeo clipe, lançaram no mercado o primeiro vídeo de skate da marca Powell Peralta. Foi então que o skate tomou um novo rumo. Andar de skate era se informar das manobras que estavam surgindo mundo afora.

Como as pistas de concreto se tornavam uma raridade, os half-pipes de madeira eram a grande solução de quem estava querendo andar na vertical, e começam a se proliferar nos fundos de quintais e terrenos abandonados. O skate começou a ter mais repercussão com o surgimento do programa ‘Vibração’ no Rio de Janeiro, onde o comando do skate estava Cesinha Chaves.

A difusão e propagação do esporte já ocorriam através das revistas especializadas americanas, Skateboarding, Step up to a Hobie e Thrasher e das não especializadas brasileiras, mais agora receberam reforço dos meios tecnológicos de comunicação televisiva. Considera-se este fato um avanço, uma vez que possibilitam a atualização no âmbito nacional e internacional, assistindo os desenvolvimentos das manobras modelo da época. Também, faz mister mencionar em relação ao recorte acima, a presença do skatista Cesinha Chaves na elaboração e na direção do programa, como também ressaltar a fabricação do tênis Mad Rats pelos skatistas Marcio Tanabe e Duarte Yura, porque torna perceptíveis seus envolvimentos com outras atividades interligadas ao Skate, isso contribuiu de forma significativa para o crescimento e a retomada do esporte, que processualmente projetou uma virada na sua história em 1985.

Neste ano o skatista Fabio ‘Bolota’ propôs ao fotógrafo e freestyler Jair Borelli a produção de uma matéria especial para divulgar o Street. Essa matéria foi o sêmen da primeira revista especializada de skate dos anos 80 e a primeira editada em São Paulo, a Overall. Em 1986 foi publicada a segunda revista a Yeah!, a partir daí o esporte ganha cores e começa a mostrar sua natureza para todo país.
Skater: Og de Souza, Trick: f/s Air
Sendo assim, com as publicações, com as construções de novas pistas, com a ida de atletas para os Estados Unidos (exemplo, Mauro Mureta), com o surgimento dos campeonatos profissionais e organização de novos eventos, participação em eventos no exterior (Equipe Brasileira 5ª colocada no Mundial em Vancouver-Canadá), a invasão definitiva das ruas pela modalidade Street, a fundação da ABS (Associação Brasileira de Skate - fundada em setembro de 1986) e a incorporação de adeptos, o mercado voltou aquecer estimulando os investimentos financeiros e tecnológicos, surgindo novas marcas (shape modelo era o hammerhead), equipamentos e manobras.

Os anos seguintes não foram diferentes a expansão é imensurável, se destacou como principais ocorrências em 1987 o fortalecimento do maior fabricante de skate a H-Prol e a fundação da USE (União dos Skatistas e Empresários). Já em 1988 temos o surgimento da UBS (União Brasileira de Skate), a realização do Sea Club Overall Skate Show (skate e show simultâneos) com participação dos convidados norte-americanos Lance Mountain e Tony Hawk (consagrado posteriormente como ídolo e melhor skatista de todos os tempos), a estréia do novo programa da TV ‘Grito da Rua’, o lançamento da primeira edição da Revista Skatin da Editora Azul e a forte repressão ocasionada pela prefeitura da cidade de São Paulo governada por Jânio Quadros, que após ter proibido skate no Parque Ibirapuera aborreceu-se com o protesto dos praticantes numa passeata em frente a prefeitura, decretando interdição do skate em toda cidade. E o último ano da década, para fechar com ‘chave de ouro’, superou o recorde de organização de eventos, com destaque a audaciosa e grandiosa Copa Itaú de Skate recebendo a presença dos americanos Micke Alba, Ken Park, Mark ‘Gator’ e Joe Johnson, destacaram também a estréia do Programa Conexão Skate do político/skatista ‘Turco Loco’ e o consagrado 4º lugar no Campeonato Mundial de Munster-Alemanha de Lincoln Ueda.

Inicia-se uma nova década caracterizada por asseveração do Skate brasileiro e do mundo, devido as intensas transformações em tão pouco tempo. Mas, como a história não é retilínea, quando tudo apontava para um crescimento estável uma recessão econômica afetou a industria americana e consequentemente a economia global, ocasionando um difícil início de década para o universo do Skate. No Brasil viveu-se uma inflação descontrolada com percentuais inconstantes, isso inibiu os investimentos, mas o golpe fatal derivou do ‘Plano Collor’ ao bloquear as contas bancárias pondo fim aos planos dos empresários e também dos profissionais desse esporte.

Com a retração do mercado a revista especializada Overall saiu de cena, bem como algumas marcas, e outras como Mad Rats, Urgh, Lifestyle e Narina conteriam as investiduras de capitais. Os circuitos de campeonatos com a escassez de patrocinadores foram realizados com menor freqüência e não obteriam o êxito dos anos anteriores, “tanto que o último grande evento desta fase veio em janeiro de 1990, nas areias de Ipanema, no Rio de Janeiro: a Copa Itaú/C&A”.

É notável a necessidade de uma reorganização, que se desencadeou quando os pertinazes empresários fundaram a ABESK (Associação Brasileira dos Empresários do Skate) e quando a fábrica de brinquedos Coast articula uma equipe de força, com ‘Cris Mateus’, ‘Léo Kakinho’, ‘Mureta’ e ‘Ricardo Mikuim’, para participarem do mundial em Munster na Alemanha. Estimularam a reação que se efetivou no ano de 1991 com o movimento da ABESK em conjunto com a UBS, retornando as organizações de eventos. É relevante mencionar a fundação, em setembro deste ano, da primeira edição da Revista Tribo Skate para divulgar e propagar os acontecimentos do esporte e do mercado em todo território nacional, sob comando do Editor Cesar Bragança ‘Gyrão’ e dos skatistas remanescentes das antigas publicações (Overall, Yeah!, Skatin, Skt News e Vital Skate).

Neste cenário de reorganização incorporou-se uma nova geração composta por Márcio ‘Tarobinha’, Rodil de Araujo Jr. ‘Ferrugem’, Ricardo ‘Pingüim’, Rodrigo ‘Digo’ Menezes, Fabio ‘Chupeta’, Alexandre Viana, Marcelo ‘Just’, dentro outros, que invadiram os campeonatos e as ruas aderindo o Freestyle na modalidade Street e representando a inovação das manobras como por exemplo: tail slide, 360º kick flip, hell flip, ollie flip, backside boardslide, frontside blunt, ollie indy to fakie, switchstance, e outras. Esta garotada implementou um novo estilo ao assumir a postura radical contra qualquer intromissão da old schools, eram determinados, não se inspiravam nos antigo pros, mas sim nos jovens companheiros da mesma idade e nos vídeos (Silly Society etc.) e revistas importadas; queriam revolucionar o esporte.

Os avanços tecnológicos também contribuíram com o desenvolvimento desses praticantes através da evolução dos Trucks Trackers e H-21 de parafusos centrais em aço especial de auto carbono e liga de cobalto, com amortecedores de 90 à 97 Shore e base de pintura Epox, também fabricaram rodas menores e faceadas, tênis de cano curto para deixar os pés mais soltos para o Street e shapes mais leves e finos com envergadura de nose.
Skater: Rodil Ferrugem, Trick: f/s Tailslide
Com essas transformações as marcas como Cush, Sessions, Vision, Sims, Drop Dead, Alva, Urgh, Narina, Crail, Moska, Rud Boy, Kranio, Varial, Tailon, Overdose, Lifestyle, e outras, foram surgindo e patrocinando mais campeonatos e praticantes, esses incentivos retribuem bons marketing aos fabricantes e lojistas. É perceptível uma relação de interdependência entre empresas patrocinadoras e skatistas. Essa relação fadiga os skatistas em 1994, foi quando organizaram ‘O Movimento’ questionando seriamente o profissionalismo e atribuindo diretrizes para reivindicarem melhores salários, premiações e condições para o exercício (pistas, rampas, equipamentos etc.), pois até então ganhavam acessórios, roupas, tênis, viagens para campeonatos e poucos faturavam algum dinheiro.

Com as reivindicações sendo atendidas e a profissionalização da modalidade a todo vapor incorporando novos pros, os eventos nacionais tornaram-se limitante para os profissionais tanto no sentido da evolução técnica como financeira, dessa forma, são projetados definitivamente para o cenário mundial (muitos se mudaram para o exterior) onde começaram a subir no topo dos pódios internacionais nos anos de 1995 e 1996. Mas, a profissionalização foi estruturada mesmo no ano de 1998, quando pode perceber alguns atletas vivendo exclusivamente de premiações e de salários de pro skaters e, também pela criação da APS (Associação Pro Skate – espécie de sindicato) incumbida de defender os interesses da então categoria profissional.

Em períodos de profissionalização o último ano da década não começa diferente, skatistas buscando sólidas carreiras profissionais, mudando-se para exterior e ganhando grandes competições internacionais. No Brasil continuam as expansões de pistas e organizações de eventos por todo território, as iniciativas empresariais estão a todo vapor em constante evolução tecnológicas das marcas vinculadas no mercado, como Crail, Billabong, Pirate, New Skate Rock, Freedom Fog, Independent, Maha, e outras. Neste ano a mídia eletrônica passa investir mais em canais de TV a cabo, produção de vídeos nacionais e importados, a banda Charlie Brown Jr. do vocalista/skatista Chorão lança seu segundo disco e a internet marca forte presença transmitindo campeonatos ao vivo pela rede e criando vários sites.

E para fechar três décadas de skate, o empresário/skatista Jorge Kuge interessado em resgatar o velho espírito for fun do Skate, organizou o Urg Skate Lengends 99, no banks da saudosa pista de Guaratinguetá, com a categoria Master (vencida por George Rotatóri) para relembrar os velhos tempos. Encerra-se mais uma década em ascensão, a grande pergunta que todos devem ter burilado: o Skate sofrerá mais uma queda como é de praxe em todas viradas de década?

As considerações de ‘Gyrão’ indicam uma resposta:

São Paulo, sexta feira, 19h50, 10 de dezembro de 1999.
Ontem à noite fomos até a Usina para a festa de abertura do Crail World Cup Skateboard Contest, o mundial de skate no Brasil. O pico tava lotado de gringos, um número bem maior que o de 98. Gente que veio de longe para sentir e viver o clima do skate brasileiro. Nada melhor que uma festa para ampliar a confraternização. A social marcava o lançamento da edição 50 da Tribo, com a “História do Skate no Brasil”. Pirata pilotava o palco dos shows, enquanto no telão rolavam vídeos nacionais. O acúmulo de sentimentos assola cada coração de skatista nestas horas. Quando você está relax com os amigos, nada mais importa. Bolota comenta que parecia estar numa das baladas da Alemanha, onde acontecem os eventos mais tradicionais do mundo do skateboard. No segundo ano que o circuito mundial vem para o Brasil, tudo parece crescer em progressão geométrica. Nada acontece simplesmente por acaso, por trás de cada garoto novo em cima de um skate, há muito trabalho e produção que envolve um batalhão de pessoas. O skate vai “comer solto”[...] Bom, amanhã tem campeonato e a festa continua.

Não o bastante, ‘Bolota’ enfatiza:

[...] Brasil faz parte desse cenário mundial depois de anos vivendo no anonimato e na clandestinidade, com participações esporádicas aqui e ali nos eventos internacionais. O sonho está se concretizando. Alguns skatistas brasileiros são modelos de exportação. Americanos descem do hemisfério norte para entender essa explosão de alto nível que o país apresenta. A etapa do circuito mundial no país é calendário fixo. O futuro pode não ser tão caracterizado pelos filmes de ficção como se previam, mas para os skatistas brasileiros, o futuro é agora, basta gostar de skate e acreditar . . .